novembro 27, 2009

Bem Me Quer, Mal Me Quer - Pearl S. Buck

"A jovem Peony é vendida como serva a uma rica casa chinesa - um papel estranho, pois é mais do que uma criada, mas menos do que uma filha. Ao crescer, desabrocha numa mulher encantadora e provocante, e apaixona-se pelo filho único da família, Contudo, a tradição impede-os de casar. Esta história profunda, baseada em factos verídicos ocorridos na China, evolui para o confronto entre o amor de Peony pelo rapaz e a sua devoção à família adoptiva."

A Pearl S. Buck é uma Danielle Steel ou uma Nora Roberts (agora tão na moda) com personalidade e com estilo. Escreve romances, puros e duros, onde existem grandes paixões, olhares embevecidos e onde o amor dói de verdade. Então porque gosto dos livros dela? Simplesmente porque não são romances previsíveis, a menina nem sempre fica com o príncipe encantado, pelo menos não da forma arrebatadoramente típica de outros romances. As personagens são interessantes e cheias de particularidades. No fundo são mais reais com histórias de vida mais próximas do comum dos mortais. Acho que gosto deles por não serem romances que apelem à lamechice (existe esta palavra?!) gratuita. Além disso a autora, já falecida, é de outra época e por isso, os livros dela têm um "cheirinho" antigo e gostoso, para além de exóticos, uma vez que a autora viveu muitos anos na China e, transporta para as suas histórias um pouco dessa vivência.

Bem Me Quer, Mal Me Quer, narra a história de uma família de judeus a viver na China há algumas gerações. Ezra, um comerciante próspero, é descende de judeus por parte do pai, mas a mãe era chinesa, uma concubina. É casado com Naomi, uma judia orgulhosa de ser uma judia pura. Sempre se sentiu, ou fez questão de se sentir, estrangeira na China. Sonha regressar à terra prometida, na Palestina, de onde o seu povo foi expulso. É boa pessoa, apenas muito zelosa dos seus deveres religiosos e do dever que sente em manter as tradições judaicas vivas na sua família e comunidade. Tem receio de que, se nada fizer, o seu povo seja completamente assimilado pela alegria e tolerância dos chineses. Toda a sua esperança reside no seu único filho David, rapaz alegre e despreocupado. Quando a mãe decide casá-lo com a filha do rabino, este apercebe-se de que tem uma escolha a fazer; ceder à vontade da mãe e, com isso abraçar a religião do seu povo assumindo a responsabilidade de a manter viva, ou casar com a filha de um importante comerciante chinês, por quem se encantou e, esquecer as suas raízes judaicas. No meio disto tudo existe, Peónia, a rapariguita que foi comprada ainda criança para fazer companhia a David e para o servir. Como é natural Peónia apaixona-se perdidamente por David. Sabendo que não poderá nunca ser sua esposa, pois os pais deste nunca o permitiriam, tudo faz para se manter na sua vida , tornando-se indispensável para ele e o pilar da família. Embora seja apenas uma criada, é uma mulher muito inteligente, culta e sábia. Para poder ficar junto de David, anula-se como mulher e como pessoa, existindo apenas para servir o homem que ama.

Em Bem Me Quer, Mal Me Quer, Pearl S. Buck fala-nos da posição das mulheres na sociedade chinesa, submissas e pouco instruídas, mas essenciais nos seus papéis. No livro, as mulheres são as responsáveis por quase todos os acontecimentos. Os homens são manipulados, sem o saberem, por elas.

Embora tenha gostado mais do Há Sempre Um Amanhã, da mesma autora, o Bem Me Quer, Mal Me Quer é, também ele, muito bom. Por não ser uma pessoa religiosa, não me identifiquei com as dúvidas que assombravam as personagens e, por não ser uma mulher chinesa, ou de outra nacionalidade, de outros tempos, também tenho dificuldade em assimilar a forma de amar de Peónia. Mas na história tudo isto faz sentido e o livro também é bom por nos mostrar como são diferentes as mulheres do nosso século, e como nos devemos sentir agradecidas a todas as nossas antecessoras por terem lutado pelos direitos das mulheres que nos permitem, hoje em dia, tomar decisões sobre tudo nas nossas vidas.

É um bom livro. :)

novembro 17, 2009

A Casa da Rússia - John Le Carré


"John Le Carré arrasta-nos, uma vez mais, para o seu mundo secreto e faz dele o nosso mundo. Em Moscovo, Leninegrado, Londres e Lisboa, numa ilha da costa do Maine que pertence à CIA, e no coração do próprio Barley Blair, Carré desenvolve não apenas uma história de espionagem, mas uma alegoria do amor individual confrontado com atitudes colectivas de beligerância."

Já li uns quantos livros do John Le Carré mas quando começo um livro novo dele, nunca sei se vai ser dos bons ou dos mais ou menos bons. Gostei muito do Amigos Até ao Fim e do Espião que Veio do Frio. O Fiel Jardineiro tem uma história interessante, sobre o aproveitamento, por parte das grandes farmacêuticas, da pobreza dos países africanos para experimentarem medicamentos antes de os comercializarem. A história, embora seja boa, não prende muito, acaba por ser até um pouco óbvia e, no fim fiquei com a sensação de que a montanha tinha parido um rato. Não gostei de O Canto da Missão, não só porque neste também a montanha pare um rato, mas porque a história é confusa e achei as personagens pouco reais, exageradas, mesmo. Quanto ao A Casa da Rússia, é uma história típica de espionagem e contra-espionagem, bem ao jeito do autor.

Barley Blair vê-se envolvido com os Serviços Secretos Britânicos e Americanos quando um físico russo, Goethe, o incube de publicar o livro que escreveu. No livro são expostas algumas das fragilidades existentes no programa de defesa russo. Goethe é um idealista que quer libertar a Rússia da opressão em que vive e, de certa forma, redimir-se por ter posto os seus conhecimentos, como físico, ao serviço dos propósitos bélicos da Rússia. Barley por seu lado é um editor inglês, sendo descrito como um homem misterioso, amistoso, um bom-vivant, que aceita tornar-se espião com o objectivo de saber até que ponto é verdade o que Goethe escreveu nos cadernos que lhe entregou. Os Serviços Secretos Britânicos são retratados como sendo um serviço formado por pessoas normais, é verdade que são espiões, mas não deixam de ser normais. Têm dúvidas e têm medos, como todos nós. John Le Carré, coloca os Serviços Secretos Britânicos como sendo subservientes dos Americanos e os Americanos como sendo... Americanos. Poderosos e com muito dinheiro. Basicamente os Ingleses são bonzinhos e os Americanos menos bonzinhos. A Rússia é descrita como sendo um país onde não existe liberdade, mas onde o povo é culto, corajoso e muito leal.

Mais uma vez acho os livros do John Le Carré um bocado óbvios, sem grandes surpresas, onde ao longo das páginas vamos confirmando o que já desconfiávamos. Neste A Casa da Rússia, incomodou-me a exaltação exagerada da beleza da personagem feminina, Katya. Esta adoração e idolatração da mulher amada, da maneira como foi feita, é mais comum em escritores do século XIX, num livro de espionagem do século XX fica de certa forma deslocado. Se calhar foi propositado por parte do Le Carré, homenageando desta forma os grandes escritores russos do século XIX, mas não me pareceu adequado.

Embora não seja, na minha opinião, nada de especial é um livro que se lê relativamente bem e, para os fans deste tipo de histórias concerteza será melhor do que o que eu achei. :)

novembro 09, 2009

Leituras (quase) inacabadas

Todos nós temos livros que pura e simplesmente não conseguimos acabar de ler. Uns porque não era a altura certa para pegar neles, ou por serem de difícil leitura ou porque o tema não é o adequado para a altura. Outros, porque simplesmente não gostamos deles.
Quando era mais nova, não me lembro de alguma vez ter deixado um livro a meio. Houve uns que me custaram mais a ler, mas nunca os deixei a meio, fazia um esforço para os acabar. Não sei porque não os abandonava, se não estava a gostar da história... talvez porque livros novos não fossem assim tão frequentes cá em casa. Hoje a minha atitude perante a leitura mudou um pouco. Quando não estou a ter prazer na leitura, ponho de lado, mas não de ânimo leve. Com tanta coisa boa para se ler, sei que não vale a pena perder tempo com coisas que não nos dizem nada, mas resisto sempre mais do que devia. :)

Quando, pela primeira vez, não consegui acabar um livro fiquei aborrecida. Ainda por cima era um clássico sobre o qual tinha ouvido maravilhas, o Moby Dick do Herman Melville. O livro é enorme (o que para mim é sempre um ponto a favor) e começa muito bem, divertido, interessante. A páginas tantas torna-se tão aborrecido que só não parei de o ler mais cedo porque... porque era o Moby Dick e tive algum pudor em não lhe dar uma, duas, três oportunidades! :) Li-o quase todo, mas por pura carolice, até que um dia desisti, não aguentei mais... :p Aconteceu-me o mesmo com o Vale de Abraão da Agustina Bessa-Luís, autora que tinha muita curiosidade de ler. Achei o livro muito chato, não se passava nada... Foi com pena que o pus de lado, talvez um dia mais tarde já o saiba apreciar.

Felizmente a minha lista de livros inacabados não é muito extensa, mas tenho a noção de que deveriam estar lá mais uns quantos que me deram "água pelas barbas", o que só prova a minha teimosia! :) É o caso do Boa Tarde Às Coisa Aqui Em Baixo do António Lobo Antunes. Livro difícil... Nunca me senti tão burra a ler um livro. Foi das experiências mais frustrantes que já me aconteceram na leitura. Foi daqueles livros em que tive de voltar atrás uma data de vezes, a ver se conseguia apanhar o fio à meada. Quando ia para desistir, lá apanhei qualquer coisa, que voltei a perder não muito depois e, sinceramente fiquei com fobia ao senhor desde essa altura! Já tinha lido o Manual dos Inquisidores uns anos antes e, tinha achado o livro interessante, diferente de uma forma positiva por isso, quando encontrei tantas dificuldades para acompanhar o Boa Tarde Às Coisa Aqui Em Baixo fiquei surpreendida. Só de pensar nisso já estou a ficar com "borboletas no estômago". :/
Experiência semelhante tive com Os Versículos Satânicos do Salman Rushdie, que parei de ler, porque tive dificuldades em entrar na história. No entanto, tenciono tentar lê-lo daqui as uns anos, porque acho que foi um problema de timing, mais do que do livro em si. Quanto ao outro senhor, o António Lobo Antunes, não digo nunca, mas... acho que será muito difícil apanharem-me com outro livro dele nas mãos. :)
Outro autor que tenho alguma dificuldade em gostar é do Ernest Hemingway, li O Velho e o Mar, Por Quem os Sinos Dobram e deixei a menos de meio As Verdes Colinas de África, porque o tema da caça incomoda-me... Tenho pena de não conseguir ver nele o que milhões de pessoa vêem mas, não me consigo identificar com a escrita dele.

Depois tenho daqueles livros que acabei, mas que não gostei. Não por serem difíceis, mas por serem maus, com histórias absurdas e mal contadas. Foi o caso do A Ruína da Jennifer Egan, do O Autenticador do William Valtos, From a Buick 8 e Tommyknockers do Stephen King, de quem gosto muito, mas estes dois fizeram-me algumas comichões no cérebro... :)



Tendo em conta que já devo ter lido mais de uma centena de livros na minha vida, acho que as coisas não me têm corrido mal. Mesmo quando não estão especialmente bem escritos o que interessa é que o livro nos divirta, nos faça pensar e que nos deixe a pensar depois de acabado, que nos ensine alguma coisa e que nos faça pensar que valeu a pena o tempo que lhe dedicámos.
De certeza que tenho no meu futuro muitos livros que não vou conseguir ler. O que eu gostaria é que fossem daqueles que eu ponho de lado a pensar: "Talvez quando for velhinha já tenha a sabedoria necessária para os entender".

Boas leituras.

novembro 02, 2009

Jesusalém - Mia Couto

"Jesusalém é seguramente a mais madura e mais conseguida obra de um escritor no auge das suas capacidades criativas. Aliando uma narrativa a um tempo complexa e aliciante ao seu estilo poético tão pessoal, Mia Couto confirma o lugar cimeiro de que goza nas literaturas de língua portuguesa. A vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado, diz um dos protagonistas deste romance. A prosa mágica do escritor moçambicano ajuda, certamente, a reencantar este mundo"

Gosto muito dos livros do Mia Couto, porque estão cheios de fantasia, parecem fábulas dos tempos modernos, mas com personagens muito reais. Jesusalém não foge a isso, embora ache o livro um pouco mais terra a terra do que os outros que li dele, o que não é necessariamente mau, apenas diferente. Já o Venenos de Deus, Remédios do Diabo, me pareceu diferente nesse sentido.

Jesusalém fala-nos de um pai, Silvestre Vitalício, de dois filhos, Ntunzi e Mwanito (o narrador da história) e de Zacaria Kalash, o militar. Embora existam outras personagens importantes na história, estas constituem o núcleo central da narrativa.
O livro começa com Mwanito a dizer que "A primeira vez que vi uma mulher tinha onze anos e me surpreendi subitamente tão desarmado que desabei em lágrimas", o que nos prende logo desde o início. O pai de Mwanito, Silvestre Vitalício, depois da morte da mulher, Dordalma, pegou nos filhos e no fiel amigo Zacaria Kalash e instalou-se num pedaço de terra, a que chamou de Jesusalém, longe de tudo e de todos. Para ele "o mundo terminara e nós éramos os últimos sobreviventes", tal foi o desgosto de perder a mulher.
Mwanito, o filho mais novo não se lembra de nada do "Lado de lá", para ele o mundo resume-se ao homens que com ele vivem em Jesusalém, e ao Tio Aproximado que lhes leva o necessário para sobreviverem. O irmão mais velho, Ntunzi, pelo contrário, tem memórias claras de como era a vida antes e sente-se, por isso, preso e frustrado.

É uma história bonita, cheia de sentimentos contraditórios, porque embora Mwanito se sinta roubado, por o pai o ter afastado do mundo, tem por ele muito respeito e amor. E quando este mais precisa dele não o abandona porque, por mais mágoas que existam, pai é pai.
É também uma história que fala de culpa e do que somos capazes de fazer para expiar essa culpa, de maneira a podermos seguir em frente.

É sempre complicado descrever e classificar os romances do Mia Couto mas, Jesusalém é a história de um homem ferido e envergonhado de tal forma que se isola do mundo levando com ele aquilo que lhe resta. Um homem que, de tão infeliz, impede a felicidade dos filhos protegendo-os das crueldades da vida e do mundo. Qualquer pai gostaria de o poder fazer, afastar os filhos das brigas, dos desgostos, da infelicidade mas, é virtualmente impossível, porque sem esses dissabores eles nunca aprenderão a ser felizes.

Tudo isto é contado ao estilo de Mia Couto, com alguma loucura à mistura. Eu gostei muito! :)