setembro 11, 2014

Por Este Mundo Acima - Patrícia Reis


Título original: Por Este Mundo Acima
Ano da edição original: 2011 
Autor: Patrícia Reis 
Editora: Publicações D. Quixote

"Um cenário de terrível desastre assola Lisboa.
Entre os sobreviventes há um velho editor procurando amigos e amores desaparecidos. Encontra um manuscrito e um rapaz e, neles, a porta para uma outra dimensão na vida.
Por Este Mundo Acima é a consagração dessa melhor forma de amor a que chamamos amizade. Uma história sobre a importância redentora dos livros."


O nome Patrícia Reis ficou-me na memória depois de ter lido Morder-te o Coração de que gostei muito (opinião aqui). A forma como escreve deixou-me curiosa para outros livros dela. Na feira do livro deste ano aproveitei e comprei. Para além do título, que acho lindo, fiquei curiosa para descobrir como seria um livro num cenário pós-apocalíptico escrito por ela. :)

Eduardo é a personagem principal da história. Conhecemo-lo já depois do "acidente", como um dos poucos sobreviventes de um desastre natural qualquer que empurrou de volta para a idade da pedra a humanidade. Sem tecnologia, electricidade, água canalizada ou saneamento básico. Coisas que todos consideramos básicas para sobrevivermos... No entanto Eduardo sente, acima de tudo falta dos amigos, Sofia, Lourenço e Jaime. Sente falta de ter com quem conversar, das risadas e da música. Aterrorizado com o que possa encontrar para lá da porta de casa, vai ficando, fechado em casa, com os seus livros, as suas memórias e o medo. No dia em que finalmente ganha coragem para sair, encontra um cenário desolador, de destruição total. Pensa em procurar os amigos, mas não sabe se o conseguirá fazer. Vislumbra outras pessoas na rua mas, tal como Eduardo, todos sentem receio de falar uns com os outros e seguem caminho sem trocarem uma palavra. A necessidade altera o comportamento das pessoas, nunca se sabe se nos querem fazer mal. As ruas estão cheias de corpos, toda a ordem social eclipsou-se. Não existem autoridades, não existe um governo não existe nada, apenas o caos. Eduardo sente-se deslocado, não é novo, não sabe se conseguirá sobreviver - ter de pilhar, de lutar pela última lata de atum... Regressa a casa cansado e triste e a sentir cada vez mais a falta dos amigos, que acredita estarem mortos. Que outra razão existiria para que não tivessem ido até ele?
Aos poucos Eduardo começa a adaptar-se à nova vida, os corpos nas ruas já nem os vê, aventura-se pelas redondezas e vai sobrevivendo. Em casa tem a companhia dos livros, a preciosa biblioteca da avó repleta de histórias que nunca o deixam só.
Redescobre um sentido para a vida quando lê um manuscrito que lhe tinha sido entregue, Eduardo era editor antes do "acidente", para publicar - A Noiva Chegou de Autocarro, e que ainda não tivera oportunidade de ler. O livro, escrito por um jovem escritor desconhecido, deixa Eduardo fascinado e, ao mesmo tempo, angustiado por não ser possível partilhá-lo com ninguém, de não ser possível publicá-lo. Queria gritar ao mundo que no meio de todo aquele caos, tinha encontrado vida, que ainda era possível criar e progredir. Os anos passam e nada muda na vida de Eduardo, até ao dia em que encontra Pedro, uma criança de 8 anos, que tinha acabado de perder a mãe. A partir desse dia, Eduardo acredita que é possível fazer alguma coisa pelo mundo. Que não pode deixar que toda a história da humanidade se perca para as crianças que como Pedro, não têm memória de outra realidade. Eduardo acolhe Pedro em sua casa e, como um pai, educa-o, mostra-lhe todo um novo mundo através dos livros da avó e partilha com ele todas as suas memórias e as memórias dos seus amigos, para que, de alguma forma não sejam esquecidos. O livro acaba com Pedro já crescido, Eduardo acaba de morrer, mas o mundo que é descrito por Pedro já não é um mundo de medo e sim de esperança. As pessoas organizaram-se, de certa forma, e vivem em comunidades pequenas onde partilham aquilo que têm e o que sabem fazer. Toda a comunidade agradece a Eduardo o seu papel no restabelecimento da ordem e, A Noiva Chegou de Autocarro, foi o primeiro livro a ser publicado depois do "acidente", publicado por Pedro.

É um livro muito interessante. A escrita de Patrícia Reis é muito clara, muito fluída que facilmente nos transporta para a realidade que descreve. Gostei muito de Eduardo e dos amigos que conhecemos apenas através da sua memória deles. A história é, às vezes angustiante, nem sempre os piores momentos são os que ocorrem após o acidente, mas acima de tudo é uma história que homenageia a amizade e os livros.

Gostei e recomendo!

Boas leituras!

Excerto (pág. 88):
"Vi o meu primeiro cadáver três semanas depois de tudo ter mudado. Tinha-me aventurado. Sair à rua era um passo gigante. Ver da janela o estado da rua, deserta, os carros parados, a ausência de militares a marchar pelas ruas e as nuvens pretas foram suficiente. Até que a necessidade me fez sair. Na minha decisão de deixar a casa, estava também o sentimento de abandono, de quase indiferença. Queria morrer. A exactidão desse sentimento de morte que ansiei, ainda a consigo sentir. Não valia a pena continuar. Estava condenado, barricado em casa a abrir latas de atum que me feriam os dedos de pele seca. Estar vivo, apenas por estar vivo, não era suficiente. Por isso, quando saí à rua, fi-lo com a coragem dos soldados na linha da frente, pronto para qualquer coisa, orações ditas, a cabeça vazia, o coração pronto para o fim."

2 comentários:

  1. Tenho curiosidade em ler algo desta autora... Talvez arrisque neste livro dela.
    Gosto especialmente desta capa!

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    1. Gostei muito deste. Tinha gostado do "Morder-te o Coração", mas por ser um livro pequeno, quase um conto, não deu para conhecer muito da escrita. Se tens curiosidade acho que este é um bom livro para a conhecer. :)

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