fevereiro 25, 2017

O Homem Suspenso - João de Melo

Título original: O Homem Suspenso
Ano da edição original: 1996
Autor: João de Melo 
Editora: Círculo de Leitores

"João de Melo, natural dos Açores e nascido em 1949, é autor do muito premiado Gente Feliz com Lágrimas. Em O Homem Suspenso apresenta uma apaixonante análise e reflexão sobre a identidade portuguesa, construindo e desconstruindo os valores e hábitos identitários portugueses, quer através da descrição dos longos passeios numa Lisboa que tem tanto de bela e imponente como de paradoxalmente anacrónica, quer nas considerações ponderadas do seu narrador. O Homem Suspenso é indiscutivelmente um romance essencial na carreira de João de Melo, e uma obra obrigatória em qualquer biblioteca."

O Homem Suspenso é um livro um pouco estranho e tenho alguma dificuldade em escrever sobre o que li. Não sei onde é que li que o livro fazia uma reflexão sobre a identidade portuguesa após a entrada na C.E.E.. Fiquei com a ideia de que o livro seria diferente e enquanto o lia dei por mim a pensar que tinha muito pouco a ver com a entrada do país na Comunidade Económica Europeia, ou pelo menos assim me pareceu.

João de Melo tem uma escrita muito bonita, não me ocorre outra palavra que descreva a forma como ele conta as suas histórias. O Homem Suspenso não é muito diferente, nesse sentido.
O Homem Suspenso narra a história de um homem (não me recordo se alguma vez nos dizem como se chama), professor universitário, casado com Carminho, a quem traiu alguma vezes durante os anos em que esteve casado com ela.
A história é narrada na primeira pessoa e começa com este homem a vaguear por Lisboa, confuso e meio perdido, sem saber para onde ir nem o que fazer. Surge-nos como um homem a quem foram retiradas todas as certezas, tudo aquilo que sempre teve como garantido parece ter desaparecido. Quem ele achava que era, o que ele achava que tinha e tudo aquilo sobre o qual foi construindo a sua vida, parece ter deixado de fazer sentido.
Carminho terminou o casamento de anos e pediu-lhe que saísse de casa. Sem qualquer hesitação, drama ou rancor, pediu-lhe que se fosse embora porque "Creio, porém, ela deixou de viver-me; que desistiu de amar-me com amor".
É depois deste desfecho inesperado que se inicia a narrativa de O Homem Suspenso que, depois de dormir no carro, inicia uma viagem por uma Lisboa ainda meio adormecida, acompanhado apenas por um cão vadio que o conquistou na sua recente e desconhecida solidão e que nunca mais perdeu de vista.

A mim, O Homem Suspenso, pareceu-me uma reflexão sobre as escolhas que fazemos na vida e o impacto que as mesmas têm em quem nos rodeia e em quem, supostamente, nos é mais próximo. É uma reflexão sobre as relações que vamos criando ao longo da vida e que nem sempre sabemos manter. É uma reflexão sobre o crescimento e a imagem que temos de nós próprios e que, muitas vezes, parece estar desfasada da realidade.

Se tem alguma coisa a ver com a entrada de Portugal na C.E.E.? Talvez, metaforicamente, o país possa ser O Homem Suspenso, um pouco perdido a tentar encontrar o seu próprio caminho, numa estrada completamente estranha, cheia de perigos, mas também repleta de oportunidades e de escolhas. :)

Boas Leituras!

Excerto (pág. 78):
"Todavia o que vai dentro de si é como um grito e um sufoco. Um grito de protesto e indignação, um sufoco de misericórdia ou pena a seu respeito.Pudesse ele chorar, dir-lhe-ia agora tudo o que sempre se esqueceu de lhe dizer chorando. Se pudesse enlouquecer, rir-se-ia alto, correria de braços erguidos pela casa fora, aos gritos, tenebroso perdido alucinado, protestando amá-la mais do que à própria vida. Sair de casa, expulso por ela, eis o infinito absurdo o ridículo o dado precioso e inexplicável da sua tragédia. Em vez do corpo de um homem vivo, sairão daqui para a morgue a chama o fogo e a cinza do seu espírito. A sua natureza. O reino a que pertence, também. Como ele muito bem sabe, como ela sempre soube, como ela nunca deixará de saber."

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