abril 20, 2018

A Conversa de Bolzano - Sándor Márai

Título original: Vendégjáték Bolzanóban
Ano da edição original: 1940
Autor: Sándor Márai
Tradução do francês: Miguel Serras Pereira
Editora: Publicações Dom Quixote

"Casanova, evadido dos sinistros Piombi de Veneza, refugia-se na pequena cidade de Bolzano. Aí, irá encontrar-se com aquela que é a Única: a única mulher que amou, a única capaz, talvez de lhe dar a plenitude de vida que só o amor pode dar. Por ela, Giacomo vai aceitar o mais bizarro e difícil dos compromissos: representar, numa só noite, todo o furor e todas as desilusões da paixão. Mas, ao longo dessa irrepreensível encenação, algo totalmente inesperado vai acontecer.
Construído como se de uma ópera se tratasse, numa linguagem de extrema musicalidade, A Conversa de Bolzano, que apareceu em Budapeste em 1940, é, tal como A Herança de Eszter (1939) e As Velas Ardem até ao Fim (1942), uma magistral variação romanesca sobre a paixão amorosa."

A Conversa de Bolzano, retrata a vida de um bon-vivant, Giacomo Casanova, escapulido de Piombi, as prisões de Veneza, que faz uma paragem em Bolzano, uma pequena cidade. A fama precede-o e todos na cidade falam da sua chegada, todos querem vê-lo e todas as mulheres suspiram só de ouvir o seu nome.
O que torna Casanova tão conhecido e desejado? Não é um homem bonito, não é particularmente inteligente e não é rico. O que aguça a curiosidade dos outros e o que atrai os outros é o seu carisma, a sua vida, o ser bem-falante, honesto e apaixonado. O que atrai as pessoas é a sua forma de viver, despreocupada e sem compromissos. Nada o prende, nada o detém, nem mesmo as masmorras de Veneza, de onde conseguiu fugir.
Em Bolzano, Casanova vai ver-se obrigado a questionar a sua forma de vida. Vai ter de avaliar se ainda se sente feliz assim, se lhe falta alguma coisa, se chegou a hora de mudar. Casanova, na introspecção que vai fazer vai perceber que amou, que ainda ama e que, muito provavelmente continuará a amar sempre. Descobre em si essa capacidade e fica surpreendido. Não se sabia capaz de tal sentimento. Estará ele preparado para abdicar de tudo por esse amor? Será ele capaz de aceitar o amor incondicional, de alguém que não exige nada em troca, que está disposta a diminuir-se, apenas para poder estar junto dele? Alguém que conhece a sua essência, que não exige que ele mude radicalmente para a incluir na sua vida. Quererá Casanova assumir esta responsabilidade?

Embora goste muito de Sándor Marái, parece-me que os últimos livros que tenho lido dele me têm prendido menos. Não me sinto muito ligada aos temas, não crio empatia com as personagens e sinto-me meio desligada da leitura. A Conversa de Bolzano, infelizmente não foi o livro que me reconciliou com Sándor Marái. É um livro que se lê bem, sem grande esforço, no entanto, tenho noção de que é um livro que não me ficará na memória.
Há partes do livro que achei verdadeiramente aborrecidas e outras cujo conteúdo me fez sentir agastada e a pensar que o tema do amor arrebatador, onde a mulher se rebaixa para o homem superior a quem nada se pode exigir em troca é coisa do passado. Talvez seja um livro que não tenha resistido tão bem à passagem do tempo, não sei. Talvez seja demasiado datado e por isso tenha sentido alguma alienação e desapego à relevância do tema.
Não deixo de reconhecer a beleza da escrita e da forma mais artística como o livro está escrito mas não foi suficiente para me agarrar enquanto leitora.

Recomendo por ser Sándor Márai, o autor de dois dos livros mais surpreendentes que já li, A Herança de Eszter (opinião aqui) e As Velas Ardem Até ao Fim (opinião aqui).

Boas leituras!


Excerto (pág.126):
" - Não achas, estrangeiro, que há uma espécie de homens a que não se pode dar a felicidade? Talvez seja justamente por isso que eu o amo. Há uma espécie de homens cuja virtude, cujo encanto, cuja atração residem na sua completa incapacidade de serem felizes, homens de todo surdos à felicidade, e que, da mesma maneira que os surdos não ouvem a doçura da música, desconhecem a doçura da felicidade... Tens razão, ele nunca foi feliz. E contudo, vê lá tu, esse homem que é apesar de tudo o meu, diante de Deus e diante dos outros homens, também não descobriu a felicidade noutro lado, apesar de a ter procurado sem descanso, durante cinquenta anos, como o pesquisador de ouro procura o tesouro enterrado no seu próprio jardim, esquecido do lugar do esconderijo. Passou a vida toda a cavar à volta de nós... Viajou à procura de felicidade; eu vendi os meus anéis e enfeites para ele poder viajar, pois, podes crer-me, eu não queria outra coisa que não fosse vê-lo feliz: ele que descubra a felicidade, pensava eu, a bordo de um navio, sobre as águas ou em cidades estrangeiras, ou ainda e até nos braços de mulheres negras ou amarelas, se for esse o seu destino... Mas ele voltava sempre para mim e sentava-se ao meu lado, pedia vinho, ou punha-se a ler, ou partia durante uma semana com uma criatura qualquer de cabelo pintado, de preferência uma atriz. (...) 
 - Sim, eu senti-o... Quando entrei neste quarto, senti que tu eras um homem dessa espécie. Talvez já o tivesse sentido lá em casa, antes de me pôr a caminho em plena tempestade de neve. Mas bem  vês, ele está tão só e tão triste... Há uma tristeza de uma espécie que não podemos consolar, é como se alguém chegasse sempre atrasado a um encontro divino e, depois disso, nada mais contasse a valer. Sabes muito mais sobre ti próprio do que ele, compreendo-o pela tia voz, vejo-o pelos teus olhos, sinto-o no teu ser. Porquê, Giacomo?... Que desgraça aconteceu aos homens assim? Talvez a razão seja para eles um castigo divino e eles conheçam os sentimentos e todas as emoções humanas não com o coração mas só com a razão?..."